
Em qualquer Estado moderno, os serviços de inteligência desempenham uma missão essencial: proteger o Chefe de Estado de embaraços institucionais. Antes de uma condecoração, devem verificar antecedentes, cruzar informações e alertar para riscos políticos e judiciais. Esse deveria ser o procedimento normal.
Em Angola, contudo, surge uma dúvida inevitável: o Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) cumpriu esse papel, ou falhou na sua missão de proteger a imagem da Presidência e a credibilidade das instituições?
O caso das condecorações em Angola
Recentemente, algumas distinções atribuídas no âmbito das celebrações dos 50 anos da Independência levantaram debate público. Entre elas, a que envolveu o antigo responsável da Endiama, Carlos Sumbula, que recebeu a medalha de “Paz e Desenvolvimento”.
Em paralelo, circularam nas redes sociais informações que o ligam a processos judiciais relacionados ao sector diamantífero. Importa sublinhar que todas as pessoas gozam do direito à presunção de inocência até decisão judicial em contrário. Ainda assim, o episódio gera questionamentos: até que ponto as condecorações estão a ser atribuídas de forma criteriosa e transparente?
A importância do papel do SINSE
Quando figuras públicas sob suspeita recebem distinções oficiais, o país corre o risco de ver a justiça paralisada. Afinal, como poderá a Procuradoria-Geral da República avançar com processos contra pessoas previamente condecoradas pelo Chefe de Estado?
Aqui entra o papel central do SINSE: a instituição deve fornecer alertas rigorosos, antecipando os riscos de exposição política e institucional. Se esse filtro não ocorreu, instala-se uma armadilha para a própria justiça angolana.
As hipóteses em jogo
Diante desse cenário, duas leituras possíveis surgem:
1. O Presidente foi alertado, mas decidiu seguir adiante com as distinções, o que revelaria uma mudança de estratégia política;
2. O SINSE não fez a devida triagem, expondo o Estado a críticas internas e externas.
Em ambos os casos, as consequências são negativas: o país perde credibilidade, e a luta contra a corrupção pode ser interpretada como um discurso vazio.
O simbolismo das medalhas
As condecorações deveriam ser expressão máxima de mérito, integridade e serviço à nação. Quando surgem dúvidas sobre os distinguidos, instala-se a sensação de que o sistema legitima não a excelência, mas a impunidade.
A imagem pública de altos dirigentes do SINSE, presentes em primeira fila nas cerimónias oficiais, sugere que houve validação institucional de todos os nomes escolhidos. Se a triagem não aconteceu, então a própria função do órgão de inteligência está em causa.
Um futuro condicionado
Angola corre o risco de ficar amarrada a decisões políticas que fragilizam o sistema judicial. Como o Procurador-Geral da República é nomeado pelo Presidente, dificilmente avançará contra figuras previamente reconhecidas pelo mesmo. Isso pode resultar num silêncio institucional diante de casos que envolvam condecorados.
Seja por falha dos serviços de inteligência, seja por decisão política, a consequência é clara: o combate à corrupção perde credibilidade, e as condecorações deixam de representar mérito para se transformarem em instrumentos de legitimação política.
E não há maior contradição do que celebrar “Paz e Desenvolvimento” enquanto paira a suspeita de se premiar a opacidade.
Por Carlos Alberto
Jornalista e Director do Portal “A Denúncia”
17 de Setembro de 2025