
Após a morte do fundador Jonas Savimbi, Isaías Samakuva liderou a UNITA em tempos de paz. Em entrevista exclusiva ao NJ, o político reflete sobre as dificuldades económicas enfrentadas pelos angolanos, critica a exclusão de figuras históricas nas celebrações dos 50 anos da Independência e analisa a situação atual da democracia no país. A conversa decorreu num dos gabinetes do Instituto Superior Politécnico do Bita, em Luanda, onde Samakuva dirigiu uma palestra sobre o “Papel das Universidades na Reconciliação Nacional”.
Como avalia o país, passados 23 anos desde o alcance da paz?
Com tristeza. Encaro a situação do país com profunda tristeza, especialmente ao refletir sobre a minha idade e o que esperava encontrar nesta fase da vida. Acreditava que viveria num país mais sereno. E quando falo em tranquilidade, não me refiro apenas a mim. Refiro-me à paz de todos os cidadãos: meus irmãos, primos, vizinhos, amigos e compatriotas.
O passado de conflito armado ainda pode justificar a falta de serviços básicos, a fome e o reaparecimento de doenças como a cólera?
De fato, vivemos longos anos de conflito armado. Contudo, olhando para trás, questiono-me por que não fomos capazes, como irmãos, de parar e dialogar mais cedo. Tentativas existiram, mas a guerra arrastou-se por muitos anos.
O mais preocupante é que, mesmo 23 anos após o fim da guerra, persistem ressentimentos e continua-se a invocar o passado constantemente. Em vez de nos concentrarmos no que nos une e planejarmos o futuro, ainda estamos presos a divisões. Isso é extremamente lamentável!
Refletir sobre os 23 anos de paz também passa por analisar as condecorações dos 50 anos da Independência?
Sem dúvida. Apesar dos problemas, este momento de celebração deve servir para uma reflexão séria. Devemos olhar para o passado, aprender com ele, e usar essas lições para iluminar o caminho que queremos seguir.
Quando fala em reflexão, refere-se à exclusão de Álvaro Holden Roberto e Jonas Savimbi das homenagens? Isso prejudica a reconciliação nacional?
Exatamente. Ao refletir sobre as comemorações dos 50 anos da Independência, concluo que a paz que vivemos ainda tem um caráter essencialmente militar. Existem esforços em direção à construção de uma verdadeira paz social, mas ainda estamos longe de alcançá-la.
As condecorações, sobretudo aquelas que se destinam aos combatentes da Independência, deveriam reconhecer todos os que lutaram por ela. Deixar de fora figuras fundamentais como Holden Roberto e Jonas Savimbi contradiz o espírito de reconciliação que tanto almejamos.
Foi essa a razão para a sua ausência na cerimônia de condecorações do 4 de Abril, Dia da Paz?
Absolutamente. Enquanto não houver uma explicação convincente para a exclusão dessas figuras – e não são apenas elas, há muitos outros heróis anônimos –, não vejo sentido em aceitar qualquer distinção. Recebê-la, nessas condições, seria aceitar uma homenagem sem legitimidade.
Fonte: NJ