
No Estado Democrático de Direito, a fiscalização parlamentar é um exercício de soberania popular, não um pedido de cortesia. Cumpre-se. E ponto.
Quando um Deputado se dirige a uma instituição pública para verificar o seu funcionamento, apurar denúncias ou recolher informações, está a cumprir uma missão que lhe é atribuída pela Constituição. Tal exercício não se subordina a qualquer autorização, despacho ou beneplácito — nem mesmo da Presidente da Assembleia Nacional.
O Regimento da Assembleia é inequívoco: os Deputados têm o direito de exercer acções de fiscalização, individualmente ou em grupo, com o suporte das Comissões, mas sem dependência delas. O artigo 24.º é taxativo ao afirmar que o Deputado pode solicitar informações, requerer documentos e interpelar membros do Executivo. O artigo 309.º reforça esta prerrogativa, assegurando o direito de visitar instituições, questionar autoridades e solicitar dados. Em nenhum momento a legislação impõe a necessidade de autorização prévia para o exercício dessas funções.
Converter práticas administrativas em exigências normativas é não apenas um abuso, mas um ataque ao mandato parlamentar. Representar o povo implica agir com autonomia e responsabilidade. Qualquer tentativa de cercear o exercício da fiscalização esvazia o papel do Deputado e compromete a essência da democracia, violando flagrantemente a Constituição.
Importa recordar: o Deputado não é subordinado da Presidência da Assembleia Nacional. É um fiscal do povo. Restringir-lhe as prerrogativas constitucionais é rasgar o Regimento, subverter a ordem constitucional e abrir perigosos espaços para a impunidade.
O artigo 43.º do Regimento, que define as competências da Presidente da Assembleia Nacional, fala em organizar e coordenar os trabalhos parlamentares — jamais em impedir ou vetar acções de fiscalização. Interpretar tal função de forma extensiva e abusiva é uma grave distorção institucional.
Se o próprio Parlamento limita os seus instrumentos de fiscalização, perde autoridade moral para exigir transparência dos demais poderes do Estado.
É fundamental não confundir respeito institucional com submissão, nem coordenação com censura. A luta pela fiscalização parlamentar é, antes de tudo, uma luta republicana, que transcende filiações partidárias. Cada Deputado, independentemente da bancada a que pertença, deve empenhar-se para que o seu mandato não se torne meramente decorativo.
A democracia não se sustenta em formalismos vazios, mas na acção concreta e responsável. Fiscalizar não é um favor concedido ao povo. É um dever inalienável.
Adalberto Costa Júnior
