
Hoje é domingo. Se ainda estivesse recluso, provavelmente estaria dentro da caserna B2, no Bloco D da Cadeia de Viana. Esse bloco abriga três casernas: B1, B2 e B3. A B2, em particular, é destinada aos presos considerados indisciplinados ou prestes a serem transferidos como forma de castigo. Foi ali que vivi parte da minha pena, como encarregado-geral da caserna — uma função que aceitei por decisão dos próprios colegas, embora contra a minha vontade inicial.
Vi homens sendo transferidos por razões injustas. Reclamar? Impossível. Eu mesmo era classificado como um “meio proibido”, alguém rotulado como altamente perigoso. Proibiam até que outros presos conversassem comigo — temiam que eu um dia escrevesse sobre tudo aquilo. E tinham razão.
Na caserna B2, não existe acesso à informação. Não há televisão, rádio ou jornal. Apenas camas e um balneário sem água corrente. É um espaço onde o direito à dignidade humana é suspenso. Ali, somos impedidos de ser cidadãos, de acompanhar o que acontece no nosso país — um silêncio forçado que contraria frontalmente a Constituição da República de Angola. E tudo isso acontece às claras, à vista de todos.
Se ainda estivesse lá, hoje eu estaria provavelmente lendo um livro — se tivesse acesso a um — ou simplesmente refletindo sobre a vida. Tentar escrever era em vão: meus textos desapareciam misteriosamente. Aos domingos, a maioria dos presos participava de cultos religiosos no pátio, organizados por uma denominação escolhida pela coordenação da cadeia.
Cheguei a frequentar essas celebrações, até perceber o verdadeiro propósito: mais do que conforto espiritual, elas funcionavam como instrumento de controle. Pregava-se que o sofrimento fazia parte de um plano divino e que, por isso, nada deveria ser reivindicado. Muitos diziam que, se eu não fosse aos cultos, jamais sairia antes de cumprir toda a pena. Mas a vida mostrou que não era bem assim.
Este relato não é apenas uma memória pessoal — é um grito contra a desumanização. É preciso que a sociedade olhe para o que acontece atrás dos muros das cadeias, onde o domingo, para muitos, não é dia de descanso nem de fé, mas de esquecimento.
Por: Carlos Alberto